A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu, em um parecer consultivo, a obrigação de os países responderem à emergência climática como um direito internacional. Para os países signatários da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, como o Brasil, a decisão deverá orientar os tribunais em litígios que tratam do tema.
Na análise da fundadora da organização sem fins lucrativos Center for Human Rights and Environment, Romina Picolotti, a nova orientação pode ampliar o número litígios sobre mudanças climáticas, em especial em relação aos Estados, além de modificar o nível das ambições climáticas dos países afetados pela decisão.
“Há uma responsabilidade muito importante aqui, e me parece que isso poderia gerar uma série de ações judiciais e administrativas. Um pedido, por exemplo, ao Poder Legislativo para aderir a uma legislação não regressiva”.
De acordo com a ambientalista, isso ocorre porque, não apenas o Poder Judiciário, mas todos os atores do Estado precisam alinhar suas ações com as obrigações em relação à Convenção Interamericana e outros tratados de direitos humanos.
Na prática, Romina Picolotti diz que isso levará ao entendimento de que mudanças na política pública, na legislação ambiental ou em decisões administrativas que possam agravar a emergência climática ou que sejam contrárias à obrigação de enfrentamento ao problema global passarão a ser compreendidas juridicamente como uma violação aos direitos humanos.
“A obrigação de legislar de forma que o Estado não seja posteriormente condenado pela execução de uma lei aprovada por legisladores me parece algo muito importante neste momento, em que o Brasil debate questões de enfrentamento à mudança do clima”, complementa.
O relatório Tendências Globais em Litígios sobre Mudanças Climáticas: Panorama de 2025, publicado no final de julho pela London School of Economics, aponta que o número de litígios climáticos, em 60 países analisados, inclusive o Brasil, vem crescendo a cada ano. Desde 1986, são 2.967 processos e, somente em 2024, foram judicializados 226 novos casos relacionados à mudança do clima.
O relatório aponta ainda que 80% desses processos que chegam a uma corte superior são contra o Estado, no entanto, os que mais são julgados procedentes são contra empresas. O Brasil aparece como o quarto país com maior número de litígios climáticos, somando 131 casos registrados até o fim de 2024. São ações que buscam majoritariamente compensações por danos climáticos locais, como o desmatamento, por exemplo.
De acordo com Romina Picolotti, esse crescimento acaba gerando a necessidade da criação de novas orientações jurídicas, marcos legais e de capacitação dos sistemas judiciários dos países.
“O litígio climático, antes de mais nada, é um processo de interesse público que busca resolver uma situação de emergência e põe em risco a existência da humanidade se não for resolvida. Nunca antes, os tribunais e a humanidade enfrentaram um desafio desta natureza. Por isso, tudo é diferente. O dano é diferente, a relação de causalidade, as provas. Então, é necessário uma modernização e adaptação jurídica para julgar estes, casos a fim de proporcionar justiça climática”, explica.
Participação social
A construção do parecer consultivo pela mais alta corte das Américas foi consolidado após uma intensa participação social. Foram realizados sete dias de audiências públicas, que ocorreram, inclusive, nas cidades de Brasília e Manaus, no Brasil, com a oitiva de mais de 150 intervenções orais.
Também contribuíram 36 Estados e instituições públicas, 17 povos indígenas e outras comunidades, mais de 90 organizações não-governamentais e centros de pesquisa, 70 instituições acadêmicas e 45 especialistas, por meio de 260 memoriais escritos em todas as Américas.