Fracasso em derrubar regime do Irã levou a cessar-fogo, diz general

Os Estados Unidos e Israel esperavam conseguir uma mudança de regime em poucos dias no Irã e, diante da resistência dos militares iranianos e dos grandes danos impostos à Israel, foi costurado um acordo de cessar-fogo, que também era do interesse de Teerã.

A avaliação é do major-general português Agostinho Costa, especialista em segurança e geopolítica e ex-vice-presidente da Associação EuroDefese-Portugal, que falou com exclusividade à Agência Brasil.

Para ele, como o objetivo político principal de “mudança de regime” não foi atingido, as potências militares perderam a guerra. 

“Os israelenses e os norte-americanos se convenceram que poderiam, por meio de um choque, paralisar o regime iraniano, desarticular as estruturas e produzir um colapso do Estado e do governo, tal qual na Síria”, avaliou.

Major-general português Agostinho Costa, especialista em segurança e geopolítica e ex-vice-presidente da Associação EuroDefese-Portugal. Foto: Pekka Kallioniemi/X

Costa sustenta que a operação de “mudança de regime” vinha sendo planejada por Israel e Estados Unidos desde, pelo menos, setembro de 2024. “Essa ideia de que Israel age sozinho é uma fantasia. Os Estados Unidos participaram de tudo”, comentou.

Ele avalia que o nome da operação “Leão em Ascensão” é uma referência à oposição iraniana, o grupo MEK (Organização dos Mujahidin do Povo Iraniano), que tem no leão seu principal símbolo.  

“[Israel e EUA] convenceram-se que, ao eliminar um conjunto de cientistas e comandantes militares, conseguiriam, através de uma ação coordenada de grupos infiltrados, treinados e equipados pela Mossad e pela CIA, provocar uma revolta da população contra o governo”, disse.

O major-general português destacou que o general Michel Kurilla, oficial do Pentágono responsável pelo Oriente Médio, passou boa parte dos últimos meses na região, e em Israel, preparando a ação contra Teerã.

“A ideia era neutralizar a defesa aérea iraniana durante três a quatro dias, o que seria o suficiente, através de uma campanha aérea sistemática sobre o país, tanto destruir as defesas aéreas, os pontos de comando, as estruturas de decisão e a infraestrutura crítica”, acrescentou.

Porém, para o analista, o plano falhou. Ele disse que, em cerca de oito horas, o Irã conseguiu restabelecer sua defesa aérea, frustrando um dos principais objetivos da ação, que era assegurar a superioridade militar para um bombardeio sistemático. “Não foi verdade que Israel manteve o controle do espaço aéreo do Irã, como disse”, pontuou.

Retaliação

“No dia seguinte, o Irã retaliou, e retaliou forte com mísseis balísticos. A partir daí, uma guerra que era para ser uma ação militar curta, foi virando, progressivamente, um conflito de atrito. Em uma guerra de atrito, o tempo, a logística, a capacidade do povo resistir e a base tecnológica industrial são determinantes”, disse Agostinho.

O major-general explicou que os ataques balísticos do Irã tiveram um impacto substancial sobre a infraestrutura israelense em Haifa, Tel-Aviv e outras cidades do país, chegando a produzir um blackout comunicacional.

“Os mísseis balísticos de ogivas múltiplas e os mísseis hipersônicos produziram efeitos fortes em diversas infraestruturas, como portos, refinarias, centros militares e de inteligência”, destacou.

Ainda segundo o general, a defesa aérea israelense ficou aquém das expectativas. “Além disso, cada míssil de defesa de Israel custa US$ 4 milhões. Isso tem um custo econômico altíssimo”, ponderou.

O militar português acrescentou que, quando Israel percebeu que o custo estava ficando muito alto, com a população emigrando por todos os meios possíveis, passando as noites em bunkers, Tel Aviv intercedeu junto a Trump.

“Quando se percebe que esta guerra poderia prolongar-se por um período mais alargado, a parte que tem mais a perder era Israel, tendo em conta a sua dimensão geográfica, populacional e econômica. Portanto, ele lançou a toalha ao chão”, disse.

Agostinho Costa disse que, a partir de então, Trump interveio junto ao Catar e houve uma trégua do conflito. “Naturalmente, essa trégua foi benéfica para ambas as partes, porque o Irã também sofreu um forte impacto com essa operação”, completou

Operação militar dos Estados Unidos para bombardear as instalações nucleares iranianas Foto: Reuters/Fortune/Gary Hershorn—Getty Images/Proibida reprodução

Bombardeio dos EUA

Para o especialista português, a complexa operação militar dos Estados Unidos para bombardear as instalações nucleares iranianas foi uma ação midiática, com objetivo de justificar o fim da guerra sob o argumento de que o programa nuclear persa teria sido neutralizado.

“Não passou de um espetáculo para mudar as percepções da forma como o conflito estava a decorrer e para apresentar os norte-americanos como a solução do problema, quando, efetivamente, os norte-americanos são parte do problema”, avaliou.

Derrota

Tanto Israel e os Estados Unidos quanto o Irã saíram do conflito cantando vitória. Estados Unidos e Israel disseram que todos os objetivos foram cumpridos, que eram os de inutilizar o programa nuclear e de mísseis balísticos. Já o Irã diz que conseguiu forçar Israel a buscar um cessar fogo.

Para o ex-vice-presidente da Associação EuroDefese-Portugal, os objetivos anunciados por Estados Unidos e Israel não foram atingidos porque tanto o programa nuclear como o de mísseis não foram destruídos. “Eles foram atrasados ou tiveram a capacidade retardada, mas não eliminados”.

Além disso, destaca que o principal objetivo da operação não é anunciado abertamente.

“O grande objetivo é a mudança de regime para colocar um governo que lhe fosse favorável, com acesso às segundas maiores reservas de gás do mundo e as duas das três maiores reservas de petróleo do mundo”, comentou Agostinho Costa.

O militar português justificou que se ganha ou se perde uma guerra quando é alcançado seu objetivo político central.

“A queda de regime do Irã foi conseguida? Ficou mais próxima? Esse grande objetivo político não foi alcançado. Nesse sentido, Israel não pode, de maneira nenhuma, cantar vitória, e muito menos os Estados Unidos”, concluiu

Por outro lado, Agostinho Costa pondera que o regime iraniano conseguiu sobreviver, podendo comemorar uma vitória, apesar de ter mostrado enormes fragilidades, tanto devido a infiltração nas suas fileiras, quanto pela grande destruição provocada no país, principalmente em Teerã.

Brics versus EUA

Assim como o analista geopolítico Rodolfo Laterza, entrevistado pela Agência Brasil, o general Costa avalia que o objetivo de “mudar o regime” do Irã busca bloquear as rotas de comércio euroasiático construídas por Rússia e China, privilegiando os corredores comerciais controlados por Europa e Estados Unidos .

“A queda do governo do Irã bloquearia uma das Rotas da Seda [promovida pela China], e todas as rotas comerciais que passam naturalmente pelo Irã. Essa guerra é uma questão geoestratégica e geoeconômica”, completou.

Para Agostinho Costa, o conflito representou o confronto entre dois blocos. “Um em ascensão, o Brics, e outro que em luta desesperada pela sobrevivência em termos de relevância estratégica e em termos de importância, liderado pelos EUA”, disse.

Ações de mudanças de regime teriam sido realizada, nos últimos anos, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia e na Síria. O cerco contra Cuba e Venezuela também é apontada como medidas para mudanças de regimes. 

Mudança de Paradigma

A guerra de 12 dias entre Israel, Estados Unidos (EUA) e Irã serviu para mudar paradigmas no Oriente Médio, segundo o major-general Agostinho Costa. Para ele, a impunidade de Israel na região foi violada. Afinal, o país é acostumado a bombardear os vizinhos sem sofrer no seu próprio território.

“Muda o paradigma da impunidade israelense com sua capacidade de operar no Médio Oriente ao seu livre arbítrio. E muda também o paradigma da superioridade ocidental em relação à capacidade tecnológica do bloco emergente”, concluiu.